segunda-feira, 3 de outubro de 2011

P R É - A P R E S E N T A Ç Ã O


Esta é a fase inicial da montagem do BLOG.
Receberemos sugestões pelo e-mail: marcos.afr@gmail.com
Estamos revisando alguns textos. Outros serão mantidos intactos.
Faremos, em breve, uma ampla divulgação para que possamos receber um maior número de colaboradores e de contribuições.


Apresentação

A tarefa de registrar a memória do Conjunto Ceará é muito gratificante e encerra grande responsabilidade.

Ela é gratificante por ser a realização de um sonho de mais de trinta anos dos que chegaram a partir de março de 1977.
Encerra grande responsabilidade por representar toda uma comunidade e suas histórias de vida, bem como seus sonhos e realizações.

Contamos com a colaboração de diversas pessoas e personagens. A socióloga Kátia Cíntia Araújo Braz Moreira colabora com a cessão de sua Monografia.
Por conta desta monografia, repetimos as citações do Prof. José Borzachiello da Silva e da Pedagoga Maria Diógenes Vieira.

Esperamos que outras instituições e personagens possam dar suas colaborações e também ajudar a contar esta história que é nossa.

Consultaremos, também, o PRODECOM - que já editou três livros com dados relevantes e em dezembro de 2008 lançou a terceira edição.

Almejamos provocar outros a escrever suas “visões e versões”, continuando esta história.

O espaço está criado, enfim.

Seria muito bom, ter várias visões e/ou versões dos mesmos acontecimentos.

"Se é verdade que informação é poder, eu o divido com vocês!"

Marcos Rodrigues / marcos.afr@gmail.com

Introdução

O problema da habitação no Brasil remonta às primeiras décadas do século XX e vem se agravando paulatinamente até o presente momento. Enquanto no início as habitações estavam vinculadas à estrutura agrária e as pressões sociais eram amenizadas pelo vínculo, a terra, constatamos que dentro do próprio desenvolvimento sócio econômico brasileiro os problemas de habitação cresceram.

A partir da década de setenta o Brasil deixou de ser um país eminentemente agrário para se tornar primordialmente urbano.
Viu-se surgir grandes metrópoles que crescem aleatoriamente, sem planejamento, traindo constantemente novas populações, aprofundando as mazelas: grandes concentrações populacionais sem qualquer infra-estrutura se abrigam em construções paupérrimas testemunhando o processo de exclusão social e ausência de dignidade humana.
Sendo assim, as favelas passaram a fazer parte do cenário de toda grande cidade brasileira.

O Ceará não fogiu à regra. Além do poder de atração das grandes cidades, a seca no sertão e as disparidades sociais no Estado contribuíram para a expulsão de grandes contingentes populacionais que migraram para a capital na busca por melhores condições de vida.

Fortaleza mostra um crescimento vertiginoso acarretando diversos problemas sociais: proliferação das favelas, grande especulação imobiliária, crescente índice de criminalidade e agravamento da exclusão social.

Vemos que as políticas habitacionais surgiu como uma estratégia de mascaramento da situação vigente abafando precariamente as pressões sociais.

Foi dentro deste contexto que surgiram as associações de bairros na Capital Cearense como expressão dessa metrópole em fase de expansão, consubstanciando uma maior conscientização do poder de conquista da população.

A nossa convivência desde a inauguração da primeira etapa nos deu oportunidade de observar os problemas iniciais que deram origem a inúmeros transtornos tais como: falta de transporte, iluminação, segurança, infra-estrutura, saúde e saneamento básico, e nos motivou a estudar com afinco e detalhadamente as questões que envolveram todo o processo de expansão e urbanização do bairro, procurando desvendar os entraves, as ideologias partidárias, as lutas, as conquistas, pelas quais alcançamos ao longo dos anos.

O primeiro capítulo da monografia de Kátia Cíntia Moreira de Freitas retratou o processo de expansão urbana da metropolização de Fortaleza, a partir da década de 30 aos anos 90. Passando pelo processo de exclusão social e conhecendo a política de habitação, onde enfocamos os quatro momentos históricos da habitação: o primeiro foi o escravocrata, cuja solução habitacional era a senzala, a segunda o processo de industrialização, o terceiro a construção de conjuntos habitacionais e o quarto que é o processo atual de construção de mutirões habitacionais que se dá através de parceria entre Estado e Município.

O decorrer da pesquisa observou-se que alguns líderes se empenham com o objetivo de buscar soluções imediatas, no sentido de melhorias da qualidade de vida dos moradores do Conjunto Ceará.

No segundo capítulo ela abordou o processo de formação do bairro Conjunto Ceará, que vai desde a infra-estrutura, a situação atual e os aspectos sócio-culturais, econômicos e políticos do bairro.

A Noção de Exclusão Social


A NOÇÃO DE EXCLUSÃO SOCIAL NA MODERNIDADE DOS ANOS 30 AOS 90

A partir da década de 30, Fortaleza acusa um crescimento demográfico elevado que se reflete no aumento de sua área urbana. Contudo, “a expansão da cidade a partir do aumento da população não gerou a ampliação relativa à infra-estrutura urbana, tais como calçamento, energia elétrica, água encanada, rede de esgoto, transportes coletivos etc.” [1]

Esse crescimento de forma espontânea e desordenada deu lugar à aglomeração de edificações precárias na periferia da cidade. Data do início da década de 30 a origem dessas aglomerações com características de favelas. Entre 1930 – 1955, surgiram as seguintes favelas na cidade: Cercado do Zé Padre (1930), Mucuripe (1933), Lagamar (1933), Morro do Ouro (1940), Varjota (1945), Meireles (1950), Papoquinha (1950), Estrada do Ferro (1954).As favelas se proliferaram a partir de 1930 devido ao aumento no fluxo migratório.[2]

A partir de 1932, Fortaleza passa por um período mais dinâmico, quando é bem intenso o crescimento urbano da cidade. Isso é revelado pela maior ocupação do seu espaço físico. Os maiores adensamentos da época ocorreram na direção Oeste, chegando até à Av. Pe. Ibiapina. Vale salientar que já algum tempo o crescimento de Fortaleza se orientava para aquela direção.[3]

A cidade foi aos poucos se estruturando, conquistando espaço no sertão, em decorrência do algodão e de outros produtos, e se firmando como centro coletor de produção primária.
A ferrovia e, posteriormente, as aberturas de rodovias, provocaram a integração de Fortaleza com outros estados da região do país.
Foi através dessa integração que ela se tornou foco de atração da população migrante. Seu crescimento demográfico acentuado, como vem ocorrendo nos últimos anos, tem vínculos íntimos com os longos períodos de estiagem que atingem o Ceará, e, sobretudo com a estrutura fundiária vigente, que tem suas bases na grande propriedade dedicada à criação de gado.
Tanto os fatores de ordem climática. Seca ou cheia, quanto os sociais, fundamentalmente a estrutura fundiária, dificultam cada vez mais a fixação da população no interior. Decorrer, assim, o aumento dos fluxos migratórios para a capital, que aparece como uma das poucas alternativas de sobrevivência para essa população despossuída e sem rumo.[4]

O homem do campo, que se desloca em busca de melhores condições de vida na cidade, quando chega, é logo “expulso” para as periferias urbanas, ficando numa situação idêntica ou pior que a do interior. Por um lado, a expectativa de uma vida melhor é arriscada no sentido de que, os seus costumes, valores e hábitos são postos à prova no seu dia-a-dia.
E passam por diversas mudanças. No campo, estes plantam e colhem para sobreviver, enquanto que, na capital, estes, têm que pagar pela alimentação, pelo aluguel, enfim, por todas as suas necessidades. Dessa forma, muitas vezes a qualificação do Homem do campo não se adequa à realidade da cidade. Ele passa a fazer parte de um mercado informal, cujas atividades vão desde zelador a toda mão-de-obra barata e que não exija tanta qualificação.Destaca-se que parte da população urbana é constituída de habitantes de baixa renda que ocupam espaços mínimos nas cidades.[5]

Daí a complexidade da distribuição da população brasileira que, apesar da imensa vastidão do território nacional, vê-se comprimida em espaços urbanos e vivendo, muitas vezes, sob precárias condições de vida.A cidade de Fortaleza apresenta alto índice de carência no que se refere à infra-estrutura urbana.
Os bairros mais equipados são aqueles que passam por constantes mudanças quanto aos diversos tipos de uso do solo. Grande parte desses bairros está localizada na parte Leste da cidade, contrastando com os da Oeste, que são bairros periféricos ocupados, em sua maioria, pela massa trabalhadora. A concentração demográfica de Fortaleza está localizada na Zona Oeste. A parte central da cidade esteve ligada à concentração da burguesia comercial e financeira, com seus estabelecimentos comerciais, de serviços e outros negócios, assim como a área residencial.
Durante décadas, o centro foi o local mais privilegiado, com seus clubes, praças urbanizadas, bancos, enfim toda uma estrutura montada em nome da burguesia, que também se deliciava com casas de espetáculos como o Teatro José de Alencar e cinemas.
Na década de setenta, a área central perdeu o seu atrativo, de fixação de residências da burguesia comercial e industrial, que se deslocara principalmente para a Aldeota.[6]

Nas décadas de setenta e oitenta, o centro tradicional de Fortaleza converteu-se em periferia, a população rica e setores de classe média encontraram nos sub-centros, no caso, a Aldeota e o Montese, alternativas às atividades exercidas outrora pela zona central.
Os terminais de transportes coletivos se transferiram para estas áreas, como foi o caso da Praça José de Alencar, Castro Carreira (Estação), Lagoinha e José Júlio (Coração de Jesus), servindo também como pontos de vendedores ambulantes.[7]

Com a expansão da cidade dirigida para a Zona Oeste, com magníficos palacetes em Jacarecanga, com renomado centro de estudos como o Liceu do Ceará, e em menor quantidade no bairro do Benfica, ficou comprometida com a fixação de operários que buscavam moradia nas proximidades das oficinas de manutenção dos vagões da ferrovia.
Para o leito da ferrovia, também foram atraías indústrias de beneficiamento de algodão, concentrando-se nesta área, a população operária, transformando-a na mais promissora concentração de indústria da cidade que, posteriormente, ensejou o surgimento de favelas, contribuindo assim para que grande parte da burguesia buscasse novos espaços para se instalarem.[8]

Com a decadência do centro urbano, enquanto área residencial, as classes dominantes tendem a procurar novas áreas urbanas mais seguras e confortáveis.

1.1 – O processo de exclusão social.O Conceito de desigualdade social refere-se à distribuição diferenciada, numa escala de mais a menos, das riquezas produzidas ou apropriadas por uma determinada sociedade entre os seus participantes. Pobreza, por sua vez, significa em que se encontram membros de uma determinada sociedade despossuídos de recursos suficientes para viver dignamente, ou que não tem as condições mínimas para suprir as suas necessidades básicas.[9]

Embora próximos, os termos desigualdade e pobreza são evidentemente distintos, um não implicando necessariamente no outro. Assim, um determinado país pode ter uma grande desigualdade na distribuição de suas riquezas sem que haja pobres, embora seja pouco comum.
Ou pode ter uma pequena escala de diferença na distribuição das riquezas, tendo a maioria de seus membros na condição de pobres.
Claro que aqui está sendo utilizado o termo de pobreza absoluta e não relativa.
Numa perspectiva própria à sociologia de Durkheim, a exclusão social seria um dos efeitos secundários do processo de ruptura dos laços de solidariedade orgânica, próprios à sociedade moderna.
Todo grupo de excluídos tende a desenvolver práticas de solidariedade interna, nem que seja apenas temporariamente, para se proteger das representações negativas do restante da sociedade.
Princípios comunitários e valores simbólicos que são investidos com o intuito de substituir vazios criados pela forma como se processa a fragmentação da coesão social.

1.1.1 – As acepções do termo exclusão.Há três acepções, do ponto de vista sociológico, do termo exclusão social:
· A primeira trata-se de uma representação que tem dificuldades de reconhecer no outro, direitos que lhes são próprios. Toda discriminação seria uma forma de exclusão social – negros, homossexuais, delinqüentes, entre outros – seriam grupos sociais excluídos que participam da vida social em geral, embora com formas particulares de socialização.
· Na segunda acepção, o não reconhecimento se traduz numa clara exclusão de direitos. São grupos sociais que não têm uma integração no mundo do trabalho, não possuindo, em decorrência, condições mínimas de vida. Por vezes esta não integração produz efeitos de não inserção social.
· Uma terceira acepção, denominada de nova exclusão ou não reconhecimento, vai além da negação ou recusa de direitos. Ela se insere em um processo de recusa ao espaço da obtenção de direitos. Esses grupos sociais passam a não ter direitos a ter direito. Passam a ser objeto de extermínio, como os meninos de rua, minorias étnicas, entre outras.Assim pode ocorrer exclusão social, sem que haja desigualdade social, como também, não é necessário haver pobreza para que ocorra a exclusão social.

1.1.2 – A exclusão como pobreza na sociedade modernaA sociedade moderna é conhecida como uma sociedade aberta, de grande mobilidade social, em que indivíduos se constituem como personagens centrais. Sua idéia fundante é a universalidade, expulsando a idéia de exterioridade e criando, em decorrência, uma história mundial. Duas esferas distintas, relacionando-se sob tensão, constituem a esfera da igualdade jurídico-política, em que a lei única considera os Homens iguais.
E, em segundo, a esfera da desigualdade no acesso aos bens materiais e simbólicos.A desigualdade social tem uma conotação positiva, na medida em que nela reside o processo de concorrência e desenvolvimento, nela se situa o eixo da inovação tecnológica e do dinamismo social e econômico. Mas existe uma conotação negativa na medida em que a desigualdade se opõe ao ideário da igualdade.
Portanto, a exclusão social, não como discriminação social, mas como expulsão do espaço de iguais ou não-reconhecimento de direito a outros, considerando-os como não semelhantes, é uma ameaça à modernidade.

1.1.3 – As múltiplas dimensões do fenômenoA exclusão social é um fenômeno de múltiplas dimensões. Está associada diretamente à capacidade da sociedade em criar emprego para seus membros, ou a eles atribuir uma renda mínima de vida.A nova exclusão social se constrói num processo simultaneamente econômico, como expulsão do mundo do trabalho, cultural, pela representação específica de não reconhecimento ou negação de direitos, e social, através da ruptura de vínculos societários e, por vezes, comunitários.

1.1.4 – A nova exclusão socialExiste s superposição de que a presente revolução científico-tecnológica traz consigo reformulações profundas não apenas nas relações de trabalho, mas na natureza mesmo do mundo do trabalho. Cada vez mais se necessita de menos pessoas para assegurar a reprodução ampliada da sociedade. Com a automação, a telemática, a biogenética e os novos materiais, entre outros, um contingente humano cada vez maior será dispensável ao processo produtivo, aumentando a desigualdade social em termos de renda per capita e estilo de vida. Um contingente cada vez maior de pessoas transforma-se de exército de reserva em lixo industrial. Não apenas falta trabalho ou capacidade de gerar renda suficiente, como não tem as qualidades requeridas para nele ingressar.Na mesma exclusão social, os indivíduos tornam-se, em primeiro lugar, desnecessários economicamente. Perdem qualquer função produtiva e passam a se constituir em um peso econômico para a sociedade do mundo do trabalho e para o governo. Em segundo lugar, com estas mudanças sociais ocorrem transformações nas representações sociais a respeito destes indivíduos. Pois os mesmos não são apenas objeto de discriminação social. Aos pouco passam a ser percebidos como indivíduos socialmente ameaçantes e, por isso mesmo, passíveis de serem eliminados.Antes os indivíduos destas classes eram objetos de um complicado e sofisticado processo de domesticação. Agora, esses indivíduos não interessam mais à economia e estes mecanismos de domesticação começam a quebrar ou a impedir os excluídos de neles ingressar.

1.1.5 – Uma exclusão específica: cidadania hierarquizadaÉ com o processo de integração nacional, inscrito na construção da modernidade, a partir das décadas de 20/30, que a exclusão social torna-se um verdadeiro problema no Brasil. O Estado Novo e o populismo são as formas e os instrumentos pelos quais se dá a integração desta população numa engenharia institucional cujo resultado é uma cidadania excludente: a inserção no mundo do trabalho formal, industrial, possibilita ao indivíduo o ingresso no espaço urbano, de uma forma plural e fragmentada: uns com mais direitos do que os outros. A cidadania fragmentada e hierarquizada é também excludente.

1.2 – A política de habitaçãoO problema da habitação e, em particular da habitação popular, não decorre de um simples desequilíbrio entre a corrente oferta de imóveis e uma vasta população consumidora, mas de um complexo problema com dimensões sociais, econômicas e políticas.[10]

Em conseqüência desta complexidade, a questão habitacional não pode ser tratada como um problema genérico, pois se altera conforma o período histórico considerado e é peculiar à classe focalizada.No Brasil, podemos considerar pelo menos quatro momentos históricos no que se refere à habitação popular no Brasil.
No período escravocrata, a solução habitacional era a senzala.
No meio rural, com a abolição da escravatura, constroem-se, nas fazendas, colônias destinadas a abrigar os trabalhadores livres. A habitação, no caso, seria uma forma de fixar e de pagar, na base da troca, o trabalho do colono. E o processo de expansão industrial que se instalou com a implantação das grandes indústrias. Ao lado das fábricas foram erguidos, por proprietários, para uso próprio ou aluguel, agrupamentos de moradias. Ruas inteiras, vilas, quarteirões de casas são construídas, para os operários, pelas indústrias.Percebe-se que esta reflete um grande controle das empresas sobre os operários. Do ponto de vista da empresa, a habitação era mais um fator de pressão sobre eles.Para o operário, perder o emprego representava também perder a casa. Por outro lado, o trabalhador, com isso, perde o seu poder de barganha: lutar por suas reivindicações salariais e jornada de trabalho mais humana. Estas questões primordiais do proletariado ficaram abafadas sob o pretexto de perder o emprego e conseqüentemente a moradia.
A dificuldade de ter ou manter-se empregado faz com que o operário, ao possuir sua morada, sinta uma sensação de segurança. Enfim, o “lócus” que habitamos é o aconchego de todos os momentos.Está claro que para o trabalhador urbano brasileiro o importante é ter uma casa própria, já que ela é a garantia da fixação na cidade, simbolizando, além disso, um espaço próprio, um bem que pode deixar para os seus. Isso evitaria mudanças constantes, características de pessoas que vivem de aluguel. Sendo proprietário, pode-se modificar e ampliar o imóvel a seu gosto.
No processo posterior de expansão urbana, instalou-se a construção de habitação em massa, na forma de conjuntos habitacionais, financiados pelo BNH (Banco Nacional de Habitação).O ininterrupto crescimento urbano, no Brasil, faz com que os problemas habitacionais se tornem extremamente agudos.
As favelas se disseminam, as habitações improvisadas brotam em todos os cantos da cidade e a ausência de infra-estrutura urbana de serviços provoca crises de ordem sanitária, capaz de atingir não apenas a classe operária, mas também a classe de renda mais alta.
Com o intuito de amenizar os problemas habitacionais, inseridos na habitação, foi criado no dia 21 de agosto de 1964, o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), pela Lei Federal nº 4.380, com o objetivo de estimular a construção de casas populares, para atender pessoas de baixa renda. Um grande sonho nasci no povo: o sonho da casa própria.
O governo desenvolvia uma estratégia político-ideológica para as massas onde já brotava um sentimento negativo no seu modo de vida, pois o povo era sacrificado com muitos aumentos, inclusive nos preços dos alugueis, encarecendo e comprometendo seu modo de vida. Para amenizar esses problemas, o governo tenta estrategicamente ampliar sua popularidade, através do lançamento de programas habitacionais, que refletiam as ambições do povo. Dessa forma o governo atraía aliados.[11]

Como a procura foi muito grande, o governo criou o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), no dia 13 de setembro de 1966, pela Lei Federal nº 5.107, em que reforçava o incremento dos recursos financeiros destinados ao SFH (Sistema Financeiro de Habitação).Infelizmente, no setor de habitação não houve a efetivação social do Sistema Financeiro, que terminou por beneficiar os setores médios e não o segmento para o qual se destinava, com 4,5 milhões de moradias construídas no período de 1965/84. Apenas 723 mil foram destinadas às camadas de baixa renda (três salários mínimos, incluindo lotes urbanos).[12]

Esses resultados foram decorrentes dos seguintes fatores:
a) O autofinanciamento tornou-se incompatível com a estrutura de rendimentos da população de tal modo que, no fim dos anos 60, desfazia-se o sonho da casa própria para os extratos de baixa renda;
b) A excessiva centralização do poder de decisão política e de controle dos recursos na esfera federal;
c) O alto grau de privatização presente nos processos decisórios e de alocação dos recursos.A realidade é que o BNH aplicou elevados recursos financeiros, que provavelmente não foram direcionados para a construção de conjuntos habitacionais populares.
Sendo assim, a infra-estrutura era motivo de muitas críticas e fracassos dos referidos empreendimentos. Os imóveis eram construídos a longas distâncias de lugares urbanizados, devido ao baixo custo de terras.Em face à crise financeira e institucional do Sistema Financeiro de Habitação, o BNH foi extinto no dia 25 de janeiro de 1986, pelo então Presidente da República, José Sarney, transferindo suas atribuições para a Caixa Econômica Federal, através do Decreto-Lei nº 93.600, de 21 de novembro de 1986.[13]

Atualmente, o Governo Federal trabalha com o sistema de mutirões habitacionais em parceria com os governos estaduais e municipais, mediante a assinatura de convênios entre estas entidades e sociedades comunitárias habitacionais juridicamente constituídas. Esses mutirões vigoram para as famílias de baixa renda de zero até três salários mínimos.

1.2.1 – O sentido da parceria
Os objetivos são compartilhados na busca de realizações concretas, com redução dos gastos públicos. Além da parceria com a comunidade, em que as pessoas irão construir, para um bem comum, a própria casa. Essa é uma boa forma dessas pessoas criarem vínculos, passar a ver o imóvel como fruto do seu trabalho, pois, com a construção da casa, há perspectivas de melhores condições de vida.[14]

Normalmente a parceria se dá da seguinte forma: o Governo do Estado compra o terreno, disponibiliza material de construção, infra-estrutura básica, bens e serviços coletivos e assessoramento técnico e social. A comunidade, em contrapartida, deve contribuir com a organização, a mão-de-obra, a vigilância, a limpeza e manutenção da obra etc.
No processo de seleção de mutirão são considerados os seguintes critérios: pessoas com renda de zero a três salários mínimos que pagam aluguel e que moram nas chamadas áreas de risco, que é morar em favelas próximas à beira de rios, lagos, canais, rampas de lixo no caso do Jangurussú, e dunas no caso do Planalto das Goiabeiras.
As lideranças devem ser participantes, na busca do entendimento e nunca do poder unilateral. Para elas é imprescindível:* Ter capacidade de ampliar os trabalhos para aquisição de benefícios coletivos.* Cumprir rigorosamente as normas do programa.* Ter um poder de negociação que gere um clima de confiança e segurança entre o órgão convenente, a S.C.H.P. (Sociedade Comunitária de Habitação Popular) e a comunidade.* Ter uma relação de co-responsabilidade e compromisso com a prática da cidadania.[15]

1.2.2 – As atribuições do líder comunitárioDentre as atribuições do líder comunitário destacamos: o encaminhamento da relação das famílias para serem analisadas. Em parceria com a COHAB, ele seleciona as famílias a serem beneficiadas tendo conhecimento das suas reais necessidades através de visitas domiciliares.
O líder deve estar motivado para exercer a função administrativa e gerencial; executando o plano com idéias e praticidade. É fundamental ter equilíbrio para a negociação com a comunidade e ter compromissos com os princípios básicos de cidadania sabendo manter a parceria com os técnicos da COHAB na organização dos trabalhos de mutirão e no acompanhamento das obras de urbanização. Além disso, ele é visto como agente multiplicador dos treinamentos recebidos (educação sanitária, manutenção dos serviços etc.), pois deve conhecer os direitos e deveres dos mutirantes e beneficiários dos programas e, anuir junto à COHAB o título de Concessão e Direito Real de Habitação. Também é função do líder administrar a taxa de sócio atendendo os interesses da comunidade (formação de condomínio) e prestando contas dos recursos recebidos através de convênios cm a COHAB-CE e com a comunidade. Deve manter um bom relacionamento com os comunitários e avaliar as ações reivindicando-as, quando necessário.[16]

1.2.3 – Características do líder comunitário· Ser comunicativo e atender a todos por igual.· Ter segurança e usar clareza na sua fala para não deixar dupla interpretação.· Defender os direitos das famílias e garantir sempre o respeito mútuo, sabendo respeitar as individualidades de cada um.· Ser animador e saber ouvir críticas com capacidade de controlar as emoções pessoais, mente aberta.· Aceitação e capacidade de conquistar o respeito e de ganhar a confiança dos outros;· Flexibilidade e capacidade de lidar com as mudanças, de ajustar-se às situações inesperadas.
Deveres e direitos dos mutirantes e beneficiários são definidos pela COHAB da seguinte forma:Os deveres:· Cumprir o Estatuto Social e o Regimento Interno;· Contribuir com a mão-de-obra para a construção das moradias;· Apoiar a S.C.H.P. nas reivindicações para trazer melhoria para a comunidade;· Zelar e valorizar a moradia;· Cumprir as decisões deliberadas nas Assembléias;· Contribuir para a manutenção e preservação dos bens e serviços públicos;· Participar das reuniões e campanhas educativas sanitárias e ambientais;· Não alterar o projeto da casa, antes da conclusão da mesma e após, sem orientação técnica;· Denunciar ações ilegais referente a vendas de casas antes de completar o período de cinco anos.Direitos:· Receber informações sobre o programa/projeto;· Participar de todo o processo de execução dos trabalhos na comunidade;· Receber moradia;· Receber título de concessão de direito real de habitação;· Zelar pela qualidade da obra;· Assessoramento técnico e social da COHAB;· Conhecimento profundo do valor que represente a casa como patrimônio da família;· Valorizar a relação de vizinhança (lei do silêncio, espaço coletivo, espaço individual etc.).[17]

1.2.4 – Um breve histórico da COHABA história da COHAB-CE – Companhia de Habitação do Ceará começa no ano de 1963. Na época, o órgão era conhecido por CHEC – Companhia de Habitação do Ceará, criada através da Lei nº 6.540, de 11 de setembro daquele ano. A Escritura Pública de Constituição, datada de 23 de junho de 1964, foi arquivada na Junta Comercial, com o nº 24.630, em 02 de julho do mesmo ano. Sua publicação no Diário Oficial do Estado foi dia 14 de julho, também de 1964, e sua primeira sede funcionou na Avenida Tristão Gonçalves.Os objetivos da CHEC eram realizar pesquisas e estudos necessários à formulação de uma política habitacional para o Estado; elaborar e executar diretamente ou através de entidades públicas, privadas e pessoas físicas planejamentos físicos, baseados nas pesquisas e estudos, nos moldes das diretrizes do planejamento regional, estabelecidos pela SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste.O capital inicial era de Cr$ 100.000,00 (Cem Mil Cruzeiros) e foi ampliado posteriormente, em 09 de outubro de 1967, para Cr$ 670.000,00 (Seiscentos e Setenta Mil Cruzeiros).[18]

A mudança do nome CHEC para COHAB-Ceará aconteceu em 10 de abril de 1965, com a realização de uma Assembléia Geral Extraordinária. A modificação visava a adequação da companhia às normas do extinto BNH - Banco Nacional de Habitação. Na época, a COHAB-Ceará significava Companhia de Habitação popular do Ceará, vinculada ao SFH – Sistema Financeiro de Habitação e contando com recursos do BNH.[19]

Três anos depois, no dia 03 de dezembro de 1968, surgiu a COHAB-Fortaleza, uma subdivisão da COHAB-Ceará. Sediada na Avenida Duque de Caxias nº 330, a nova companhia foi criada através da Lei nº 3.643, com o objetivo de estudar os problemas habitacionais de Fortaleza, elaborar programas de construção de casa própria para famílias de baixa renda, planejar e executar programas de erradicação de mocambos e favelas.As companhias foram incorporadas através da Lei Estadual nº 9.557, de 14 de dezembro de 1971, com o nome COHAB-Ceará – Companhia de Habitação do Ceará – com sede na Avenida Santos Dumont, nº 1425, ficando estabelecido que o órgão tinha como metas produzir e comercializar unidades habitacionais de interesse social, adquirir, urbanizar e vender terrenos, apoiar programas e projetos de desenvolvimento comunitário; e comprar e vender materiais de construção para atendimento das metas do Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP).[20]

1.2.5 – COHAB: empreendimentos habitacionaisO primeiro grande conjunto habitacional construído pela COHAB-Ceará foi o Conjunto Prefeito José Walter, que teve o projeto original chamado de Núcleo Habitacional Integrado José Walter. O projeto era ambicioso para a época: a construção de 4.774 imóveis numa área periférica da cidade, até então desabitada.[21]

O projeto do Núcleo começou a ser desenvolvido em 1971, a cargo da COHAB-Fortalerza. A conclusão da obra aconteceu dois anos depois, e até hoje, o Conjunto José Walter é o terceiro maior conjunto habitacional do Estado.O segundo maior conjunto habitacional construído pela COHAB é o Conjunto Ceará, com um total de 8.669 habitações, dividido em quatro etapas.
O maior conjunto habitacional é o Conjunto Jereissati que foi entregue em 1985 com 5.000 unidades habitacionais. A conclusão do Jereissati II aconteceu em 1986, com a entrega de mais 5.000 unidades habitacionais. E um ano depois ficou concluído o Jereissati III com mais 1334 unidades habitacionais.
Aos poucos o número de projetos foi aumentando e o atendimento à população foi sendo ampliado, beneficiando também os moradores do interior do Estado. Porém, a maior concentração está Região Metropolitana de Fortaleza, pela própria exigência do crescimento populacional.

CONJUNTO / UNIDADES / CONCLUSÃO
PIRAMBU / 218 / 1967
MONTE CASTELO / 380 / 1968
ALIANÇA I / 84 / 1970
ALIANÇA II / 48 / 1980
SANTA LUZIA DO COCÓ / 294 / 1971
JOSÉ WALTER / 4.774 / 1973

CEARÁ I / 966 / 1977
CEARÁ II / 2.516 / 1978
CEARÁ III / 2.037 / 1979
CEARÁ IV / 3.150 / 1981
Total / 8.669 / as 4 etapas


INDUSTRIAL / 1.276 / 1979
ESPERANÇA / 2.039 / 1981
NOVO MONDUBIM / 720 / 1982
ACARACUZINHO / 1.976 / 1982
TIMBÓ / 2.900 / 1983
JEREISSATI I / 5.000 / 1985
JEREISSATI II / 5.000 / 1986
JEREISSATI III / 1.334 / 1987
PLANALTO CAUCAIA / 1.264 / 1984
ARATURI I / 1.413 / 1985
ARATURI II / 817 / 1985
NOVA METRÓPOLE / 1.576 / 1985
NOVA METRÓPOLE II / 1.420 / 1985
SOBRAL I / 469 / 1970
SOBRAL II / 400 / 1983
NOVO JUAZEIRO I / 220 / 1979
Fonte: Assessoria de Comunicação Social da COHAB-Ceará.

É evidente que a COHAB construiu inúmeros conjuntos habitacionais, não só no Ceará, mas por todo o Brasil.
O esquema de construção para baratear os custos das moradias fazia com que a COHAB empregasse estratégias tais como: aquisição em terrenos em periféricos de menor valorização imobiliária, afastados do centro da capital, distantes dos locais de trabalho dos seus inquilinos.
Nestas áreas, vale salientar que não existia nenhuma infra-estrutura social. As casas eram feitas de material de baixa qualidade.

3Em 1974, a crise do Sistema Financeiro de Habitação atingiu a COHAB que levou e adotou um esquema em que a prioridade para aquisição do imóvel seria dada a famílias com comprovação de renda entre 3 e 5 salários mínimos.
A crise que atingiu a COHAB ocorreu no governo do Presidente Médici, na época do conhecido “milagre brasileiro”. Internamente, o milagre resultou de um grande desenvolvimento industrial, fundamentado na produção de bens de consumo, numa austera política salarial e nas concessões de privilégios e vantagens aos empresários internacionais, o que estimulou ma maior aplicação de capital, principalmente estrangeiro, no Brasil.[22]

Entretanto, a maioria da população teve seu salário real diminuído, acarretando uma crise financeira, que levou ao aumento das prestações da casa própria e, conseqüentemente, gerou um elevado número de inadimplentes para a COHAB. Esta tentava resolver essa inadimplência à nível “amigável”, ou através de ordem judicial.É interessante reforçar que todo o processo social que o governo adotou, através da habitação, não vigorou, seja por vontade política ou pelo acelerado processo de desenvolvimento econômico. Por um lado, os inquilinos passavam por todo um processo de desenvolvimento econômico. Por um lado, os inquilinos passavam por todo um processo seletivo para garantir a aquisição da casa própria. Daí vinham a habitar a tão sonhada casa com inúmeros problemas, dos quais destacamos: a má qualidade do imóvel, os valores elevados das prestações, que não eram compatíveis com seus vencimentos, acarretando assim diversas críticas em todo o âmbito da sociedade.
No momento a COHAB-Ceará encontra-se em fase de extinção, autorizada pela Lei nº 12.961, Artigo 5º, de 03 de novembro de 1999, decretada pela Assembléia Legislativa do Estado e sancionada pelo Governador do Estado, Tasso Ribeiro Jereissati, conforme publicado no Diário Oficial do Estado, Série 2, Ano II, nº 432, de 03 de novembro de 1999, Editoração SEAD.

[1] SILVA, José Borzachiello da. Os incomodados não se retiram. Fortaleza: Multigráfica, 1992, p. 29.[2] Ibidem, p. 29.[3] Ibidem, p. 29.[4] Ibidem, p. 30.[5] SILVA, José Borzachiello da. Os incomodados não se retiram. Fortaleza: Multigráfica, 1992, p. 31.[6] VIEIRA, Maria Diógenes. A história do Conjunto Ceará, suas lutas e conquistas. Fortaleza. UECE, Monografia, 1996, p. 24.[7] Ibidem, p. 25.[8] Ibidem, p. 25.[9] NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. Caderno CRH, nº 01, Salvador: Centro de Recursos Humanos?UFBa, 1994, p. 30.[10] BLAY, Eva Alterman (org). A luta pelo espaço. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 77.[11] BLAY, Eva Alterman (org). A luta pelo espaço. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 85.[12] AURELIANO, Apud BLAY, Eva Alterman (org) A luta pelo espaço. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 85.[13] BLAY, Eva Alterman (org). A luta pelo espaço. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 88.[14] BOUTHY, Maria Mires Marinho. Manual de orientações básicas para o programa de mutirão habitacional. Fortaleza: editora revisada, 1995.[15] Ibidem, 1995.[16] BOUTHY, Maria Miresd Marinho. Manual de orientações básicas para o programa de mutirão habitacional. Fortaleza: editora revisada, 1995. p. 9.[17] BOUTHY, Maria Mires Marinho. Manual de orientação básicas para o programa de mutirão habitacional. Fortaleza: editora revisada, 1995. P. 10/12.[18] Dados fornecidos pela Assessoria de Comunicação Social da COHAB.[19] Idem.[20] Dados fornecidos pela Assessoria de Comunicação Social da COHAB.[21] Pesquisa efetuada na COHAB em março de 1998.[22] DROSDOFF, Daniel. 1986, P. 34.

As Associações, suas atribuições e metas.


Denomina-se por movimentos sociais urbanos os processos de organização e contestação efetivadas por moradores que agregam um conjunto amplo de suas lutas sociais, cujo objetivo básico é a posse mediata e imediata de bens de consumo individual e coletivo.
De natureza reivindicatória, especialmente voltada para a melhoria das condições de vida, tais movimentos apontavam as contradições da lógica reprodutiva do Estado parcialmente ausente do papel de garantidor das condições gerais de reprodução social, segundo a concepção de O’Donnel.[1]
Os primeiros movimentos sociais urbanos em Fortaleza datam do final da década de 1950, quando se conjugou uma crise econômica e uma conjuntura política favorável às novas formas de atuação do DNOCS, através de frente de serviços, mas também a criação da SUDENE e uma das maiores disputas eleitorais da história do Ceará.[2]
Convém lembrar que os anos cinqüenta foram uma época de sucessivas migrações do campo para a cidade, o que acarretou diversos problemas estruturais para Fortaleza.
Os movimentos urbanos, assim por serem signatários dos tempos da abertura, explicitaram o fosso entre o reino da legalidade, frágil para conter ou acolher o conjunto das reivindicações e o da legalidade, fundamentado em práticas e percepções diferentes das relações tradicionais. O direito à participação em planos governamentais, alguns dos exemplos que atestam a vigência de outros referentes interpretativos na formulação de critérios de cidadania.
Em Fortaleza, as organizações com vistas à obtenção de melhorias urbanas são recentes e obedecem a uma lógica descontínua. Movimentos trabalhistas e mobilizações de caráter político-partidário, vigentes no período de 1960-64 foram substituídos, desde o final da década de 70, por mobilizações de periferia urbana.[3]
A presença da Igreja e dos partidos políticos nos movimentos sociais urbanos tornou-se algo recorrente para qualquer observador atento.
O povo, num primeiro momento, mobiliza-se em função de seus interesses imediatos: água encanada, luz para o bairro, melhoria nos transporte, custo de vida, loteamento clandestino, segurança no trabalho.[4]
A atuação da Igreja deu-se através do discurso como da ação evangelizadora, e o processo de conscientização ajustou-se aos métodos adotados para as CEBs – Comunidades Eclesiais de Base. Os métodos incluíram divulgações de cartilhas, criação de grupos de trabalho, celebrações etc.
Em torno das CEBs, discursos e práticas se encontram mediados pela ação de agentes pastorais. É relevante informar, que as primeiras reuniões dos moradores do Conjunto Ceará realizaram-se a partir da década de 80, através da Igreja, para discutir os principais problemas do Bairro. Foi nesse processo de início frágil, porém eficiente, que surgiram os grupos de jovens e de catequese. Lentamente, as reuniões se processavam ao nível de organização e reivindicações, pois o Bairro, que a princípio apresentava muitas deficiências e problemas, só com muita luta e engajamento é que esses poderiam ser solucionados.
Segundo Adairto Moreira do Nascimento, ex-diretor da C.C.O.P. – Central de Cultura e Organização Popular, “a Igreja foi de grande abertura para as discussões dos problemas do Conjunto Ceará”.[5]
O Conjunto Ceará foi se desenvolvendo e conseqüentemente apresentando carências e problemas, a serem solucionadas, daí a união dos seus habitantes, para estruturar pessoas e aderir ao desenvolvimento do Bairro.
As dificuldades apresentadas no início da inauguração eram muitas, mas as pessoas não tinham a dimensão real dos problemas pelos quais o Conjunto Ceará apresentava, de início a questão dos transportes, pois os habitantes tinham que sair do conjunto para ir ao bairro vizinho, no caso a Granja Portugal, para apanhar o ônibus. O que mais dificultava era o grande percurso para chegar até o final da linha. Como os moradores eram famílias de baixa renda, logo que chegaram frustraram-se, pois as expectativas foram abaladas por muitos problemas. Muitos não agüentaram e entregaram os seus imóveis à COHAB – Companhia de Habitação do Ceará.
Lentamente os mutuários foram-se conhecendo e, conseqüentemente passando entre si suas experiências e surgindo daí as primeiras lideranças, que de alguma forma tentavam melhorias de vida para todos os moradores do conjunto. Nascia nos habitantes a solução imediata, para reivindicarem escolas etc. No início as pessoas não sabiam que direção tomar, para onde ir com suas reivindicações.
Dessa forma, em 1980, foram surgindo organizações com objetivos de levar aos órgãos municipais e estaduais, os problemas que os moradores enfrentavam. Foi criada a Associação de Moradores do Conjunto Ceará, que em 1982 foi transformada em Conselho Comunitário do Conjunto Ceará.
A princípio, as reivindicações foram dirigidas a COELCE, pela estabilização da energia que em face de suas freqüentes oscilações, dificultava o uso dos eletrodomésticos.
A questão da segurança era preocupante, os arrombamentos, assaltos, falta de segurança também devido ao matagal que circulava o conjunto.
Segundo os membros da diretoria do Conselho Comunitário, foi solicitado ao então Secretário de Segurança, na gestão do General Assis Bezerra, para que reforçasse o contingente policial do 12º Distrito Policial, a fim de oferecer segurança aos moradores.
Assim o Bairro estava deficiente em todos os aspectos e, nesse estágio as deficiências do Bairro engajavam todos, de diferentes partidos, uniam-se para o bem da comunidade.
Para reforçar as lutas e reivindicações do Bairro surgiu a C.C.O.P. – Central de Cultura e Organização popular, em junho de 1988, cujo objetivo era de aglutinar pessoas interessadas em trabalhar o resgate da cultura da cultura popular e organizar o povo para uma tomada de consciência coletiva, contribuindo assim para o processo de melhoria da qualidade de vida da nossa gente. Os sócios da C.C.O.P., tem uma faixa etária entre 16 e 40 anos, residem em sua grande maioria no Conjunto Ceará, tendo um equilíbrio entre homens e mulheres. O grau de instrução dos seus membros está numa escala que vai do Ensino Fundamental (1º Grau) ao Universitário (3º Grau). A profissão varia entre comerciários, professores, funcionários públicos, estudantes etc. A diretoria se constitui de pessoas de ambos os sexos, profissões diversas, graus de instrução variados, todos moradores do Bairro. A diretoria é colegiada, onde todos estão em pé de igualdade, não existe a figura do presidente.
A C.C.O.P., atua junto a outras entidades, principalmente nos atos públicos e movimentos de pressão junto aos governantes. Segundo o diretor administrativo, existe na Entidade, uma relação de reivindicação, para isso tem sido necessário usar vários mecanismos como: abaixo-assinados, atos de protestos, passeatas etc. A C.C.O.P., é filiada à União das Comunidades da Grande Fortaleza, “não apóia a Federação por achá-la descaracterizada, uma vez que a mesma tem tido uma postura de conciliação com os governantes”.[6]
A C.C.O.P. mantém contato com os sindicatos e, está sempre participando de eventos organizados por eles como busca apoio para a realização de suas atividades específicas. O processo evolutivo da associação, surgiu a partir da necessidade em organizar uma luta maior pela transformação social e tem se mantido com este princípio até hoje. A entidade detecta na comunidade os principais problemas: “precariedade no serviço da saúde, atendimento à criança, ausência de um posto dentário e a falta de segurança”. É importante salientar, que a C.C.O.P., possui 112 sócios, os militantes ativos estão em torno de 40 pessoas. Nas atas, constatamos uma participação de 60 % dos militantes ativos.
Em janeiro de 1993 a C.C.O.P. conseguiu junto à Secretaria da Ação Social (Governo do Estado), recursos para instalação da primeira biblioteca, direcionada à grande comunidade.
Quanto a proliferação de novas associações na comunidade estimuladas por estratégias do governo, através de programas sociais, só vieram a gerar conflitos na comunidade, pois com o aumento das associações, as quais tinham objetivos de receber algum benefício do governo destinado a comunidade, no caso o programa do leite, onde famílias carentes associavam-se para receber o leite. No entanto, a estratégia do governo era de que as associações sendo beneficiadas, não poderiam se contrapor a ele, de construir um movimento que crescessem com a luta por novos dias.
Vale ressaltar que a preocupação da C.C.O.P. é de estruturar o Bairro e, por outro lado, atingir metas de cunho coletivo, que são: um sistema de segurança preventivo e ostensivo, abertura de uma avenida que ligue o Conjunto Ceará à Avenida Mister Hull no Bairro de Antonio Bezerra, através do Parque Genibaú.
No entanto, é preciso lembrar que a ação da C.C.O.P. e das demais associações e do Conselho Comunitário do Conjunto Ceará é muitas vezes retardada pela ideologia ou de interesses das mesmas, ensejando que por vezes, as matérias sejam abordadas de modo nada construtivo para o conjunto, visto que transmitem idéia de luta pessoal e não esforço em prol das melhorias do conjunto habitacional. Felizmente essas ocorrências não predominam sobre o desejo de favorecer sempre a comunidade, tornando-se fatos isolados, distantes e que não encontram ressonância entre os verdadeiros líderes comunitários.[7]
O Conjunto Ceará, desde a sua inauguração, tem sido alvo da atenção dos governos estadual e municipal, por conta das constantes mobilizações, realizadas pelas associações que através de diferentes lideranças procuravam essencialmente, a solução dos problemas da comunidade.
Os Governos Estadual e Municipal direcionam hoje para este conjunto habitacional, várias políticas sociais garantem oportunidades de assistência social, de crescimento profissional, de desenvolvimento cultural e econômico do mesmo. [8]
Porém para as associações conseguirem as suas reivindicações são usadas várias estratégias que são: abaixo-assinados, passeatas, denúncias através da mídia e o uso do eleitorado, pois no Conjunto Ceará hoje temos 45.385 eleitores, segundo o TRE na eleições de 2006.
Desta forma, a pressão por parte de todos é válida, posto que, no âmbito das reivindicações, é preciso usar de todas as armas e em se tratando do Bairro, a vontade da comunidade prevalece.
É bem verdade, que toda trajetória das associações, principalmente da C.C.O.P., só vem a confirmar que uma comunidade, só tem a crescer e a ganhar, mesmo com divergências políticas e ideológicas existe um elo comum, que é a concretização de melhorias através do poder de conquista de moradores do Bairro Conjunto Ceará.
As associações não são destituídas de conflitos internos que atrasam e atrapalham o bom andamento do trabalho associativista.
Infelizmente, são observados nas lideranças muita vaidade e pouco coletivismo que se expressam na atuação isolada das várias associações.
Gostaríamos de reforçar a necessidade de um trabalho contínuo de conscientização para as lideranças e membros associados no intuito de amenizar os conflitos internos e possibilitar um trabalho mais coletivo.
[1] O’Donnel, 1980, p. 81.
[2] VIEIRA, Maria Diógenes. A história do Conjunto Ceará, suas lutas e conquistas. Fortaleza. UECE, monografia, 1996, p. 29.
[3] BARREIRA, Irlys Alencar Firmo. O reverso das vitrines. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1992, p. 13.
[4] BETO, Frei. O que é comunidade eclesial de base.São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 103.
[5] Entrevista realizada na sede da C.C.O.P. em agosto de 1997.
[6] Entrevista realizada em março de 1998.
[7] VIEIRA, Maria Diógenes. A história do Conjunto Ceará, suas lutas e conquistas. Fortaleza. UECE, Monografia, 1996, p. 49.
[8] VIEIRA, Maria Diógenes. A história do Conjunto Ceará, suas lutas e conquistas. Fortaleza. UECE, monografia, 1996, p. 51.

O problema da habitação no Brasil

O problema da habitação no Brasil remonta às primeiras décadas do século XX e vem se agravando paulatinamente até o presente momento. Enquanto no início as habitações estavam vinculadas à estrutura agrária e as pressões sociais eram amenizadas pelo vínculo a terra, constatamos que dentro do próprio desenvolvimento sócio-econômico brasileiro, os problemas de habitação cresceram.

A partir da década de setenta o Brasil deixa de ser um país eminentemente agrário para se tornar primordialmente urbano. Vê-se surgir grandes metrópoles que crescem aleatoriamente, sem planejamento, atraindo constantemente novas populações, aprofundando as mazelas: grandes concentrações populacionais sem qualquer infra-estrutura se abrigam em construções paupérrimas testemunhando o processo de exclusão social e ausência de dignidade humana. Sendo assim, as favelas passam a fazer parte do cenário de toda grande cidade brasileira.

O Ceará não foge à regra. Além do poder de atração das grandes cidades, a seca no sertão e as disparidades sociais no Estado contribuem para a expulsão de grandes contingentes populacionais que migram para a capital na busca por melhores condições de vida.

Fortaleza mostra um crescimento vertiginoso acarretando diversos problemas sociais: proliferação das favelas, grande especulação imobiliária, crescente índice de criminalidade e agravamento da exclusão social.

Vemos que as políticas habitacionais surgem como uma estratégia de mascaramento da situação vigente abafando precariamente as pressões sociais.

Dentro deste contexto surgiram as associações de bairros na Capital cearense, expressão dessa metrópole em fase de expansão, consubstanciando uma maior conscientização do poder de conquista da população.

A nossa convivência desde a inauguração da primeira etapa do Conjunto Ceará nos deu oportunidade de observar os problemas iniciais que deram origem a inúmeros transtornos tais como a falta de: transporte, iluminação, segurança, infra-estrutura, saúde e saneamento básico, e que nos motivou a estudar com afinco e detalhadamente as questões que envolveram todo o processo de expansão e urbanização do bairro, procurando desvendar os entraves, as ideologias partidárias, as lutas, as conquistas, pelas quais alcançamos ao longo dos anos.

Este capítulo retrata o processo de expansão urbana da metropolização de Fortaleza, a partir da década de 30 aos anos 90. Passando pelo processo de exclusão social e conhecendo a política de habitação, onde enfocamos os quatro momentos históricos da habitação: o primeiro, o escravocrata, cuja solução habitacional era a senzala; a segunda, o processo de industrialização; o terceiro, a construção de conjuntos habitacionais; e o quarto, que é o processo atual de construção de mutirões habitacionais que se dá através de parceria entre Estado e Município.

O decorrer da pesquisa observou-se que alguns líderes se empenham com o objetivo de buscar soluções imediatas, no sentido de melhorias da qualidade de vida dos moradores do Conjunto Ceará.

Num segundo momento abordamos o processo de formação do bairro Conjunto Ceará, que vai desde a infra-estrutura, a situação atual e os aspectos sócio-culturais, econômicos e políticos do bairro.